Em plena cidade de São Paulo, no bairro de Pinheiros, uma área pública de 15 mil m², degradada, é alvo da parceria público-privada entre a Prefeitura da Cidade de São Paulo e a Editora Abril, que se unem para recuperar e devolver o espaço à sociedade. “Tratava-se de um local arborizado, mas contaminado. No passado, havia uma ocupação e, recentemente, funcionava uma associação de catadores de lixo e o Incinerador Pinheiros, conhecido como Sumidouro. Por esse histórico, era necessário buscar a requalificação do espaço”, analisa a arquiteta Adriana Levisky, do escritório Levisky Arquitetos Associados.
Com início em 2006, o projeto da Praça Victor Civita representa um desafio urbanístico, social, O que mais gosto nesse projeto é ter a prova cabal de um modelo de intervenção viável em espaço público Adriana Levisky político e cultural e retrata uma realidade urbana: a existência de uma grande quantidade de terrenos desocupados ou abandonados e a necessidade urgente de recuperá-los. A partir desse quadro, surge a ideia de projetar uma praça sustentável – desde a construção, que prioriza questões como redução de entulho, baixo consumo de energia, utilização de materiais reciclados, legalizados e certificados, reuso de água, aquecimento solar e manutenção da permeabilidade do solo até a sua relação com os frequentadores.
“O que mais gosto nesse projeto é ter a prova cabal de um modelo de intervenção viável em espaço público”, expõe Adriana. No museu vivo e a céu aberto a população pode aprender sobre sustentabilidade e ainda refletir sobre a responsabilidade socioambiental e urbana que cabe a cada cidadão. De forma educativa, os caminhos da praça levam às técnicas e tecnologias incorporadas ao projeto, às soluções de recuperação e remediação das áreas contaminadas e até a um laboratório de plantas com espécies em pesquisa para produção de biocombustível, hidroponia, renovação de solos, fitoterapia e engenharia genética. O projeto conta também com a participação da arquiteta convidada Anna Dietzsch.
A fundação prevê o uso de estaca metálica pré-fabricada e evita a manipulação de materiais na obra, a produção de resíduo e a remoção do solo. “Esse era um ponto muito importante: não interferir em uma área na qual as águas subterrâneas poderiam estar contaminadas, protegendo as pessoas do contato direto com a terra”, ressalta Adriana.
Como resposta, os arquitetos criaram sobre a estrutura de aço 80% reciclada dois deques: um de concreto com placas pré-moldadas, que evitam o desperdício de materiais na obra; e outro fabricado com três espécies diferentes de madeira brasileira – ipê, garapa e sucupira – todas certificadas. Ele avança pelo terreno na diagonal, suspenso a um metro do chão, e se desdobra do plano horizontal ao vertical, como se fosse uma parede, com formas curvas, formando ambientes que convidam à exploração.
A casca protetora impede os frequentadores de acessar as áreas permeáveis mantidas, mas, de forma educativa, permite que elas testemunhem, através do peitoril ou das janelas, a história que permanece registrada e exposta. “Trata-se de um passivo ambiental carimbado, um museu vivo, que ganhou força e estimulou outras soluções construtivas em áreas semelhantes”, revela.
Por meio de parceria com instituições como o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB) e a Cooperação Técnica Alemã (GTZ), a Praça Victor Civita é uma oportunidade de investimento na pesquisa de temas ligados à sustentabilidade. Com estrutura visível, os deques direcionam o pedestre a um passeio repleto de dados educativos. À medida que se percorre o circuito, uma série de displays informativos descrevem materiais utilizados na obra, como conseguir energia limpa e até o paisagismo.
Conhecer a praça significa ampliar o saber sobre assuntos que fazem parte do dia a dia, mas Trata-se de um passivo ambiental carimbado, um museu vivo, que ganhou força e estimulou outras soluções construtivas em áreas semelhantes Adriana Levisky dificilmente comentados, como a estrutura metálica pré-fabricada de metal reciclado, que não gera resíduos; a madeira certificada e seus sistemas de legalização e manejo; e o paisagismo de Benedito Abbud, com caráter pedagógico e repleto de espécies com funções orgânicas, fitoterápicas ou passíveis de utilização na produção de energia limpa ou biodiesel.
Tudo isso ao longo de um percurso que abriga Laboratório de Plantas, Museu da Reabilitação Ambiental – Edifício Incinerador, a Praça de Paralelepípedos, o Centro da Terceira Idade, Arena com arquibancada para 400 pessoas, Oficina de Educação Ambiental, Bosque, Jardins verticais e alagados construídos com a finalidade de reuso de água. A arquiteta acrescenta que, além disso, a Victor Civita agregou outro valor: “ela virou palco de grandes eventos e pesquisas musicais e está ganhando público e personalidade diferentes”.
Inicialmente, para viabilizar a construção na área, os órgãos ambientais municipais e estaduais propuseram a existência de uma cobertura de terra extra sobre o terreno. Segundo os arquitetos, seriam 15 mil m² de área, com uma capa de aproximadamente 50 cm ou mais de solo limpo. Somente após esse preparo inicial seria possível fazer o projeto de urbanização e paisagismo.
“Pareceu-nos incoerência adotar a solução, pois buscávamos práticas sustentáveis. Não fazia sentido remover o solo de algum outro lugar, transportá-lo em vários caminhões, esticar toda essa terra e só então construir”, expõe Adriana Levisky e completa: “Esse projeto permitiu que discutíssemos qual seria a melhor solução de tratamento do espaço: a descontaminação, a remediação ou a reabilitação? Optamos pela reabilitação com a condição de manter o passivo no local”. A partir da rejeição da solução inicial, a memória do lugar foi mantida, mas sem interferir na segurança e na saúde do usuário.
Todas as novas construções na praça ostentam estrutura seca de drywall, com placas cimentícias, indício de uma obra limpa, rápida, com pequena sobra e uma série de outras soluções sustentáveis como o aquecimento solar e o reuso e tratamento da água. “A água de chuva é captada embaixo dos deques, já os resíduos vindos dos sanitários da praça são submetidos ao biotratamento e a um processo de decantação, por meio de um sistema de alagados que contém filtros de cascalho e plantas aquáticas (Pontederia e Juncus). Somente depois a água é utilizada na irrigação das áreas arborizadas”, explica Adriana.
As soluções permitem um visível registro histórico do que é o passado e o presente, sendo possível, ao chegar e usufruir do lugar, perceber e experimentar a sensação de estar em uma condição melhor do que a vivenciada anteriormente, quando o local encontrava-se abandonado.
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