Da parcela que se mostra para a rua, a Residência Murupi deixa uma incógnita na cabeça das pessoas. Com o formato das casinhas de desenhos animados, a fachada inteiramente cega esconde a face dos fundos que, em contrapartida, se abre para a paisagem arborizada do bairro Alto de Pinheiros, em São Paulo (SP). O Arkitito, escritório de arquitetura responsável pelo projeto de reforma, explorou diversos materiais para evidenciar cada volume que compõe a edificação.
Chantal e Tito Ficarelli, arquitetos do Arkitito, contam que começaram a se envolver com o projeto arquitetônico da Residência Murupi antes mesmo de desenhá-lo. “Os clientes estavam na dúvida entre encontrar um terreno para construir do zero ou reformar uma casa. Como eles decidiram procurar num bairro que conhecemos bem, acabamos ajudando nessa escolha”, lembram.
O objetivo era achar um local que tivesse algum diferencial, como estar próximo a uma praça ou ter uma vista privilegiada. Além disso, os clientes queriam viver numa casa gostosa de morar, prática e convidativa, e todas essas características foram vislumbradas pelos arquitetos numa antiga residência da rua Murupi.
Construída há mais ou menos 60 anos atrás, a edificação era excepcionalmente escura e tinha um programa bem diferente do que os moradores gostariam. Mesmo com a necessidade de realizar uma reforma significativa, os arquitetos elegeram a antiga residência por conta de uma condição: o declive da rua oferecia uma vista maravilhosa nos fundos do terreno. “A ideia era trabalhar a arquitetura de uma forma que pudéssemos aproveitar esse cenário e aquele espaço aéreo da melhor forma possível”, explica Chantal.
O que restou da casa original foi a fundação e o muro de arrimo que cerca o andar de baixo. O telhado de duas águas – que já existia, mas sequer aparecia – foi totalmente refeito com forro de madeira compensada e, assim, tornou-se um dos maiores destaques do projeto.
O telhado de duas águas é um elemento tradicional da arquitetura residencial, e a proprietária, que vem de família sulista, tem essa referência de cobertura com madeiramento Tito Ficarelli“O telhado de duas águas é um elemento tradicional da arquitetura residencial, e a proprietária, que vem de família sulista, tem essa referência de cobertura com madeiramento”, explica Tito.
Ao optarem pela madeira no telhado, os arquitetos mantiveram uma paleta de materiais naturais com o objetivo de dar unidade ao conjunto. Assim, a fachada da rua foi revestida de placas cimentícias feitas sob medida; as laterais, de plaquetas de tijolos; enquanto a dos fundos se abre para a vista através do vidro que segue encaixado nas esquadrias de alumínio. Além disso, o pórtico que marca o pé-direito duplo do estar recebeu acabamento em cimento queimado.
Toda a parte metálica da casa, assim como os muros externos, foram pintados em marrom escuro, cuja tonalidade lembra outro material natural: o aço corten. Junto ao desenho de pedras no chão, essa cor destaca a vegetação que vai se desenrolando desde a entrada até o deck da piscina.
Já o interior da Residência Murupi ganhou um tratamento mais neutro, para garantir que os ambientes tenham mais claridade. Com boa parte das paredes brancas, a residência possui todo o piso interno (exceto da área íntima) revestido de um porcelanato que imita o cimento queimado.
Outra mudança significativa na casa existente foi em relação ao layout. Segundo Chantal, a residência precisava funcionar tanto para o dia a dia dos moradores quanto para as festinhas com família e amigos.
Para que uma função não anulasse a outra, os arquitetos fugiram dos programas convencionais e aplicaram aquilo que Tito chama de “planta inventada”. Tirando proveito da declividade do lote, os profissionais dividiram os ambientes em dois níveis, de modo que a área íntima ficasse no térreo (nível da rua) e a social/lazer ocupasse a parte debaixo – antes usada como estacionamento e área de serviço.
No entanto, o que mais chama a atenção é a disposição de cada ambiente. Tito considera o andar de cima como o apartamento dos moradores, pois acomoda o essencial: três suítes, home office disfarçado de sala íntima e cozinha anexa à sala de jantar.
Por outro lado, o andar inferior, cujo acesso pode ser feito pelo corredor lateral, faz as vezes de salão de festas, já que desfruta de uma sala de TV, sala de recepção sob pé-direito quase triplo, espaço gourmet e amplo jardim.
De acordo com os arquitetos, a fachada posterior quase 100% envidraçada traz bastante luz natural aos ambientes internos, além de conectá-los à paisagem exterior. Mas em virtude disso, ficou mais exposta ao sol, portanto, mais quente.
“Considerando que o pé-direito duplo da sala tende a concentrar a massa de calor lá em cima, Chantal e Tito instalaram um sistema de exaustão no próprio telhado. Trata-se de um tubo, alimentado por um painel fotovoltaico, que corta a estrutura e funciona como a energia solar – então, nas épocas com maior incidência solar, maior a exaustão.”
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