Quando se mudou para Ribeirão Preto (SP), em 1996, o carioca Marcelo Carneiro estava decidido a se aposentar do ramo farmacêutico e investir em outra paixão, a cerveja. Assim nasceu a Cervejaria Colorado, que não demorou para cair nas graças do povo com seus chopes artesanais, feitos com ingredientes brasileiros.
Com o passar dos anos, a pequena cervejaria do interior ganhou fama, colecionou prêmios e virou sinônimo de qualidade. Pensando em ampliar os negócios e receber melhor seus clientes, o empresário buscou por um escritório de arquitetura que conseguisse traduzir todos os conceitos da marca em um projeto arquitetônico convidativo e moderno. A Colorado é uma marca que tem uma pegada muito forte de sustentabilidade. Por ser uma cerveja artesanal, ela tem uma ‘verdade’ dos materiais, e esses foram os elementos que trabalhamos Lula Gouveia Os escolhidos para essa missão foram os arquitetos do SuperLimão Studio, que desenharam a Toca do Urso, um bar localizado dentro da fábrica da cervejaria.
Foi Randy Mosher, amigo de longa data de Marcelo Carneiro, respeitado mestre cervejeiro e designer premiado, que deu vida ao símbolo e mascote da Cervejaria Colorado: o urso. As pinturas e rótulos das cervejas são feitos a mão pelo artista, que sempre mescla referências brasileiras com estilos clássicos, como detalhes de Art déco.
A partir de toda a história da marca e de seu ícone, a Toca do Urso foi assim batizada e, então, projetada para simular uma caverna que envolve seus visitantes como se estivessem no hábitat natural do animal.
Porém, quando se pensa em caverna, automaticamente se imagina um lugar fechado e pouco ventilado. Para driblar essa referência e criar um microclima agradável nessa região que é extremamente quente, o SuperLimão decidiu empregar materiais e recursos da própria cidade para projetar o bar. “A Colorado é uma marca que tem uma pegada muito forte de sustentabilidade. Por ser uma cerveja artesanal, ela tem uma ‘verdade’ dos materiais, e esses foram os elementos que trabalhamos”, comenta o arquiteto e engenheiro Lula Gouveia.
O terreno onde o projeto foi inserido é de, aproximadamente, 2 mil m² e está bem à frente da fábrica da Cervejaria Colorado, onde antigamente funcionava o estacionamento.
Na primeira visita ao local os arquitetos foram colocados à prova. “Quando chegamos estava fazendo muito calor. A primeira reação, enquanto esperávamos para entrar e conhecer a fábrica, foi de correr para baixo das copas de duas árvores. Nessa hora começamos a analisar e determinamos que a toca ficaria embaixo da sombra”, revela Gouveia.
Também foram plantadas outras espécies nativas ao redor do volume para ajudar na redução da alta temperatura, parte delas frutíferas.
O grande salão circular foi enterrado a 1,5 metro e a terra retirada foi realocada como talude ao redor do volume, formando uma enorme barreira de inércia térmica bem parecida com as cavernas. Além disso, todas as paredes que rodeiam e formam o salão são de gabiões – material escolhido por sua ótima absorção acústica, auxílio para uma temperatura agradável e custo benefício.
Para proteger o salão em dias chuvosos, optou-se por criar uma cobertura circular com um formato de asa e uma claraboia, que ao mesmo tempo em que ampara, garante a ventilação natural por captar o vento em qualquer direção.
O ângulo dessa abertura dá suporte para refletir o som e voltá-lo para o exterior, funcionando como uma placa de rebatimento. Esse método reduz o ruído interno e dividi igualmente o volume dos músicos e bandas que se apresentam por ali. O fato de o salão principal ser semienterrado e rodeado de abundante vegetação também ajudou bastante para barrar o ruído da rodovia que está próxima à entrada da fábrica.
Outro detalhe importante era como preservar as cervejas do estabelecimento de maneira refrescante. Em uma conversa com Marcelo Carneiro, veio a ideia de criar um espelho d´água e um conjunto de canais no centro do salão para refrescar o ambiente sem precisar de ar-condicionado.
O espelho d’água foi construído bem embaixo da claraboia e proporcionou um retorno de ar para todo o salão. “Esse retorno de ar do salão passa por baixo do piso, pelo espelho d’água e devolve o ar. Esse retorno de ar do salão passa por baixo do piso, pelo espelho d’água e devolve o ar. Quando o ar desce é quando se umidifica, ele rouba o calor, e quando sobe é devolvido umidificado. Isso criou um microclima que é exatamente o que acontece dentro da caverna de um urso Lula Gouveia Quando o ar desce é quando se umidifica, ele rouba o calor, e quando sobe é devolvido umidificado. Isso criou um microclima que é exatamente o que acontece dentro da caverna de um urso”, exemplifica o arquiteto.
Orgulhoso do resultado, Gouveia conta que, quando o projeto ficou pronto, levou uma estação para medir temperatura e umidade e conferir o resultado. “Na primeira medição que fiz no estacionamento deu 42°C. Já na segunda, que fiz ao lado de uma área sombreada, que é o gramadão e tem algumas mesas também com cobertura, a temperatura caiu para 32°C. Mas o mais surpreendente estava na parte de baixo, eu cheguei num dia de manhã, por volta das 10h30min, o ar-condicionado não estava ligado e bateu 23°C”, revela.
Um dos pontos fortes da obra é que a estética foi regida pela funcionalidade, já que todos os ambientes possuem recursos naturais, como pedras, madeira, tijolos e até mesmo os artefatos. Todos foram pensados visando o melhor custo-benefício e o reaproveitamento de materiais.
A cobertura com telhas sanduíches com PU permitiu uma estrutura mais leve, que, devido às vigas de lâminas coladas, ajudou a diminuir a profundidade das fundações. A escolha por esse material e formato se deu pela facilidade com qual a mão de obra local está acostumada a trabalhar.
Diversos itens foram reaproveitados, como as paredes de tijolos, que foram assentadas utilizando uma parte da areia do processo de filtragem da cerveja; e os barris, que funcionam como os dutos de ar-condicionado – e ainda auxiliaram para abrir um furo no gabião sem desestabilizá-lo.
As aduelas ou manilhas são grandes artefatos de concreto usados para canalizar córrego nas estradas ou nas grandes cidades. Normalmente são elementos que ficam sempre escondidos, mas nesse projeto se tornaram a cereja do bolo e foram usadas em diversos cantos como decoração.
O programa da Toca do Urso foi organizado de forma simples, mas ao mesmo tempo amplo. Além do grande salão circular, existem os anexos do entorno, que foram construídos através da reutilização de containers, onde ficam a loja com diversos produtos da marca Colorado e até mesmo uma graciosa brinquedoteca com horta para as crianças. “Criamos um labirinto de plantas que também é um pomar. Enquanto as crianças estão lá brincando, você pode ensinar sobre a plantinha”, conta o arquiteto.
A loja do bar foi colocada dentro de um ônibus municipal (inativo) que circulava na região de Ribeirão Preto. A escolha por esse espaço é porque o meio de transporte é muito popular na cidade, tanto que a restauração foi feira por uma empresa local.
O acesso ao salão circular pode ser feito por uma rampa, projetada para acessibilidade do projeto, com uma inclinação mínima de 4%. Por fim, no salão foram dispostas pequenas salas para confraternizações mais reservadas e reuniões.
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