Ao deparar-se com o Museu Pelé é possível respirar a história em sua mais pura essência. Não apenas por tratar-se de um local que conta a trajetória do ex-jogador brasileiro e sua representatividade, que transcende o universo esportivo, mas pelo contexto no qual o museu está inserido. Afinal, os antigos casarões do Valongo, no centro antigo da litorânea cidade de Santos, São Paulo, foram escolhidos para abrigar o programa, fruto de um projeto de revitalização do Centro histórico da cidade, o “Alegra Centro”.
O conjunto, datado de meados do século 19, beira outras construções icônicas, como o santuário Santo Antônio do Valongo e a estação ferroviária – também originária do mesmo século –, além dos armazéns do cais, construídos no início do século 20, e outros edifícios ecléticos que foram um dos principais palcos da época áurea do café.
Ney Caldatto, arquiteto responsável pelo projeto, recebeu os casarões degradados e em situação de total abandono. Recuperá-los e aproveitar a estrutura original para abrigar o museu mostrou que não seria uma tarefa tão simples.
“Dois incêndios, em 1985 e 1992, quase os levaram à total destruição. Coberturas, o interior e grande parte das paredes laterais desabaram, ficando vulneráveis a múltiplos fatores que provocaram a ruína dos imóveis. Foi daí que partimos para elaboração do projeto. Verificamos todas as patologias e iniciamos os procedimentos técnicos adequados para a limpeza e recuperação das alvenarias antigas – que compreendeu a reconstrução das partes desprendidas e desagregadas, segundo os métodos construtivos tradicionais. Também providenciamos o escoramento provisório das paredes, mantido até a execução do novo sistema estrutural que vinculou paredes novas e antigas”, relata.
De acordo com Ney, as intervenções sempre levaram em consideração os valores artísticos e culturais do edifício, sua qualidade única e insubstituível como obra de arte e documento histórico. O que norteou o projeto foi, justamente, a compreensão da imagem externa do conjunto arquitetônico tombado e a paisagem urbana do local.
“O projeto arquitetônico tinha como premissa a reconstrução das paredes externas de acordo com as características originais, refazendo a tipologia neoclássica que, além de resgatar a imagem do edifício arruinado, tinha como finalidade valorizar o conjunto arquitetônico do entorno, que é uma importante referência na história da cidade”.
Para atingir essa condição de autenticidade, foram reaproveitadas algumas pedras que se encontravam no terreno e sobras dos desmoronamentos, usados para reintegrar os trechos deteriorados. Também é possível observar o uso de técnicas construtivas atuais que seguiram a mesma espessura das paredes originais, com bloco de concreto e tijolos de barro maciço. E ainda a confecção de réplicas de alguns elementos construtivos que foram reproduzidos a partir de modelos originais, como esquadrias de madeira nas fachadas, gradis de ferro nos balcões, azulejos, ornamentação, etc.
Passadas essas etapas, o desafio seguinte foi adaptar os espaços internos existentes ao programa do museu, considerando que os sucessivos desmoronamentos proporcionaram áreas maiores e, consequentemente, liberdade projetual.
“O conjunto arquitetônico é constituído por dois blocos laterais, originalmente com três pavimentos, conectados por edifício térreo. No caso do museu, pensamos em grandes áreas para a exposição do acervo que, inicialmente, tomaria toda a área dos blocos laterais. Depois, optamos por concentrar essa função em apenas um dos blocos, ampliando essa área construída por meio de mezaninos”.
A funcionalidade pensada pelo arquiteto ganhou forma com a interligação dos mezaninos a partir de rampas nas laterais que possibilitaram acesso aos pavimentos, serpenteando o bloco. Além disso, ficou estabelecido que a entrada do museu seria no bloco central, uma opção estratégica para garantir a circulação orientada dos visitantes a partir de um espaço de acolhimento, com café e loja.
O outro bloco lateral ficou definido para abrigar os equipamentos de apoio – auditório e administração – e áreas para exposições itinerantes e eventos temporários.
Ney conta que a viabilização técnica da construção dos diversos pavimentos ocorreu a partir do emprego de estrutura em concreto protendido.
“Trata-se de um sistema que favorece a eliminação de vigas. Por alcançar maiores vãos, o apoio de poucos pilares é suficiente. Além de favorecer os espaços expositivos, ele oferece resultado plástico de maior leveza e contemporaneidade à solução arquitetônica projetada. O sistema protendido, devido à pequena espessura de laje, também permitiu a criação de sete mezaninos em um dos blocos, potencializando a área de exposição e gerando permeabilidade espacial capaz de ampliar o raio de observação do acervo exposto”.
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