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Casa 4 x 30

Casa 4 x 30
Em um lote exíguo, soluções inovadoras, inteligentes e sustentáveis provam que a falta de espaço pode ser o ponto de partida para uma construção pra lá de bem planejada. Imagens: Fran Parente
Casa 4 x 30
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Casa 4 x 30

Na medida

Texto: Tais Mello

O que acontece quando um casal de arquitetos decide projetar a própria casa dos sonhos com espaço para um quintal, jardim e muita iluminação natural? E se todo o projeto tiver de caber em um terreno de 4 x 30 m, encravado em um renque de estreitas casas geminadas, com poucas faces iluminadas? Para alinhar problema e solução, Lourenço Gimenes e Clara Reynaldo, do FGMF e CR2 reinventaram a construção convencional, feita para o estereótipo da família de classe média paulistana, ao trazer a luz para dentro da residência, eliminar alguns espaços obrigatórios e integrar outros, otimizando a metragem reduzida.

Localizada no Jardim Europa, em São Paulo, onde as dimensões das construções são tradicionalmente generosas, tudo começou como um desafio, e a resposta veio por meio de muita pesquisa. Os arquitetos se inspiraram nas diminutas casas japonesas e holandesas, famosas pelo aproveitamento máximo do espaço e da luz natural. Mas Clara Reynaldo e Lourenço Gimenes ainda foram além.

Brasilidade

Com a premissa de ser um espaço simples e de identidade própria, a obra incorpora elementos da nossa cultura, como a cozinha ampla e acolhedora, pronta para reunir a família, e um grande painel de ladrilhos cerâmicos, do artista plástico Fábio Flaks, que pode ser visto nos dois pavimentos. “Longe de ser apenas um elemento figurativo, é um traço presente na boa arquitetura moderna brasileira”, explica Gimenes.

Entrada livre

A residência prescinde do portão de entrada. Algo surpreendente se considerarmos a insegurança inerente às grandes cidades e a quase obrigatoriedade de delimitação entre o terreno público e o privado. A ausência de portão alarga a calçada e descortina a casa – da rua dá para ver o painel de ladrilhos. Os profissionais justificam: "Quisemos dar um pouco do nosso espaço para a cidade, como uma gentileza urbana".


O acesso é feito diretamente por uma fachada negra, que contrasta com a cor branca usada O recurso permite refletir a luz internamente, levando-a a todos os pontos da casa. Uma escolha mais que estilísticaLourenço Gimenes estrategicamente em todo o interior: do piso de resina de poliuretano às paredes, estendendo-se pelo forro e pelos móveis. “O recurso permite refletir a luz internamente, levando-a a todos os pontos da casa. Uma escolha mais que estilística", ressalta Gimenes.

Cozinha em evidência

Para resolver a falta de iluminação, o foco da construção está no jardim central, integrado à sala por portas envidraçadas retráteis e recortado no volume construído, de onde despontam três fachadas generosamente banhadas de sol. Uma passarela em torno dele une os dois blocos de tamanhos diferentes, que têm a principal vantagem de estarem totalmente voltados para o verde.

O menor bloco concentra ambientes de apoio como área de serviço, escritório e a circulação vertical da morada. O maior acomoda quartos no pavimento superior, enquanto sala e cozinha ficam no térreo, estando esta última à direita de quem entra, em desnível de 75 cm em relação à sala, aumentando consequentemente o pé-direito.

O rebaixamento deixa o espaço abaixo do nível da rua, o que exigiu um tratamento impermeabilizante análogo ao que se faz em piscinas, com manta asfáltica de 4 mm. A impermeabilização previne bolhas no piso de resina, umidade e infiltrações – problemas comuns em áreas onde o lençol freático é superficial.

Aqui, a planta vai além de conceitos pré-estabelecidos: com a sala aberta para o jardim – exigência dos proprietários projetistas – sobrou à cozinha voltar-se, de forma inusitada, para a fachada. O novo layout exigiu uma passagem elevada, para que a entrada principal não se desse propriamente pela cozinha, mas por um eixo de circulação acessível em toda a residência. Os arquitetos também elaboraram uma estranha continuidade entre o nível da sala e a mesa de jantar, integrada à ilha com forno embutido. Assim, sala e cozinha fundem-se em um mesmo espaço, unidas pela mesa-piso, pela bancada de trabalho, pelos materiais e detalhes. Mas a separação entre um e outro ambiente fica evidenciada pelo desnível.

Sistema construtivo

O sistema de construção seca foi empregado largamente, com três tipos de fechamento seco: chapa de gesso para áreas secas, chapa verde para áreas úmidas e placa cimentícia para áreas molháveis. O isolamento termoacústico é garantido pelas paredes de drywall com forros constituídos de lã de rocha e lã de vidro, respectivamente.

Apenas na fundação e no contrapiso armado vê-se o tradicional concreto. A estrutura metálica aparece com esbeltas vigas que cruzam o espaço e se apoiam em pilares embutidos nas empenas laterais. Paredes de gesso e placas cimentícias, lajes de painel de madeira, passadiços metálicos, grandes caixilhos e pisos de resina ou deque flutuante integram a construção. Para a base do piso do primeiro pavimento destaca-se um painel formado por duas finas placas cimentícias com miolo preenchido de madeiras sarrafeadas sobre a estrutura metálica. A solução permite posteriormente a aplicação de piso de placas de borracha.

Paisagismo e eficiência térmica

No jardim, as bicicletas do casal têm lugar garantido próximas à parede verde de blocos cerâmicos pré-moldados e pintados com tinta impermeabilizante. Ela abriga espécies como avenca, moreia, madressilva e minibromélia. Além da beleza, o local promove uma melhor eficiência térmica para a casa. Clara Reynaldo explica que o jardim representa uma área permeável superior à exigida por lei, criando uma zona baixa de pressão. “O ar, resfriado, cruza a sala em direção à janela da cozinha e garante condições técnicas adequadas durante a maior parte do ano”, completa a arquiteta.

Quisemos dar um pouco do nosso espaço para a cidade, como uma gentileza urbanaLourenço Gimenes e Clara Reynaldo Próximo à sala de TV localiza-se a cobertura-terraço caracterizada por um ecotelhado, um sistema formado por módulos alveolares de material plástico reciclado, que recebem um substrato leve nutritivo e plantas. Abaixo dos módulos, a "galocha" – membrana para retenção de água e nutrientes – está disposta sobre uma membrana antirraízes. Ecotelhado e deque sombreiam as telhas metálicas atirantadas na estrutura, contribuindo para o conforto térmico de toda a casa. Além de ser um atrativo e confortável espaço para o lazer, o terraço também dá acesso para a manutenção dos equipamentos de ar-condicionado e aquecimento de água.

Quando a estação fria chega, a construção também está preparada para se manter aquecida. A tela externa que protege a fachada do poente é recolhida, e só assim a insolação chega ao interior.

Outros recursos como brises de malha expandida, deque da cobertura que sombreia a telha metálica, uso de isolantes termoacústicos nas vedações e janelas de vidro duplo nos quartos garantem desempenho térmico acima da média.

Escritório

  • Local: SP, Brasil
  • Início do projeto: 2008
  • Conclusão da obra: 2011
  • Área do terreno: 120 m²
  • Área construída: 165 m²

Ficha Técnica

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