Na comunidade Jardim Colombo, área carente do bairro Morumbi, em São Paulo, o edifício-sede do Projeto Viver, de autoria dos jovens arquitetos Fernando Forte, Lourenço Gimenes e Rodrigo Marcondes Ferraz – FGMF Arquitetos – mudou o cenário e as perspectivas da população local. O prédio é o primeiro trabalho de programa social dos profissionais e hospeda diversas atividades da Associação Viver em Família, uma ONG assistencial que promove o reforço escolar para jovens, atuando no desenvolvimento humano.
Os dois prédios, perpendiculares entre si, foram implantados na única e remanescente área livre, no fundo do lote. Um deles é suspenso por pilares de concreto e ambos chamam a atenção por contrastar com a redondeza povoada de moradias sem reboco. Sem esconder nada, exibem claramente estrutura, circulação e uso de soluções espaciais, ao explorar o limite entre o dentro e o fora, e testar as fronteiras possíveis entre o público e o privado. Originalmente, foi projetado sem cercanias, “criado para ficar aberto, sendo uma extensão do espaço público”, declara Lourenço Gimenes.
A maior contribuição do projeto deveria ser a criação de um espaço público qualificado, com o objetivo de atrair a população, e não afastá-la Rodrigo Marcondes FerrazO terreno de 1.500 m² é o último remanescente intacto da região. A área servia de acesso às ruas internas da favela, de convívio para toda a comunidade, estacionamento e depósito de lixo. “Desde o início, o projeto buscou preservar o acesso de veículos e de pedestres originais”, comenta Rodrigo Marcondes Ferraz.
Hoje, no caso dos pedestres, a entrada é feita tanto pela rua de acesso, quanto pela praça em patamares, que vence o pronunciado desnível e serve de área de lazer. Os degraus cumprem tanto a função de descanso e contemplação quanto de brincadeiras para as crianças. Em dias de eventos, eles se transformam em arquibancadas para shows e espetáculos ao ar livre.
Com estrutura em concreto armado e vedações em bloco de concreto, o prédio tem esquadrias em ferro, ora protegidas por uma aba de aço galvanizado que funciona como um brise, ora com elementos móveis metálicos, capazes de escurecer o interior das salas.
No edifício de concreto aparente e blocos pintados de branco, a escada com malha expandida e chapa metálica, os passadiços metálicos, também em malha expandida, a porta basculante da oficina e as chapas perfuradas de vedação da casa do caseiro são elementos metálicos que funcionam como enxertos. Todo o projeto de iluminação segue o conceito estrutural, sendo aparente.
Buscamos, ao mesmo tempo, a integração com o meio e a qualificação estética do entorno Fernando FortePara dar vida ao esqueleto robusto, foram usados materiais simples e corriqueiros em bairros pobres da cidade, como os blocos de concreto e cacos cerâmicos. O que faz a diferença é a forma como foram empregados. A cerâmica utilizada no mosaico foi quebrada e assentada uma a uma por voluntários da comunidade. Fernando Forte conta que a proposta era deixar no projeto a marca da participação de todos. “Buscamos, ao mesmo tempo, a integração com o meio e a qualificação estética do entorno”.
A arquitetura expõe a vista e a circulação interna – fluxos de pedestres – através dos materiais transparentes. Por isso, nos dois pavilhões, a circulação interna é enxergada desde as fachadas, com vista de 360°, o que estimula a proximidade entre as pessoas. “A maior contribuição do projeto deveria ser a criação de um espaço público qualificado, com o objetivo de atrair a população, e não afastá-la”, explica Rodrigo Marcondes Ferraz.
A laje plana em concreto aparente e de cobertura verde é outro ponto de impacto no entorno. Nesta importante obra para a sociedade, os arquitetos investigaram a interdependência entre o objeto construído (arquitetura), o meio (comunidade) e o seu usuário. O projeto ganhou o Prêmio Eduardo Kneese de Melo, IAB-SP, 2005; Menção Honrosa, na Bienal de Arquitetura de Brasília, 2006; e hoje concorre, entre os cinco finalistas, ao Prêmio Latino-Americano de Arquitetura Rogelio Salmona, promovido pela fundação homônima, do concurso “Espaços abertos/espaços coletivos”.
O programa dividido em dois blocos – um disposto próximo ao limite oeste do terreno e o outro suspenso no sentido transversal, divide a praça pública da quadra poliesportiva, situada no fundo do lote. Sob o bloco suspenso, um pátio coberto abriga atividades diversas e faz a transição entre a quadra e o restante da praça. Esse pátio delimita as funções de cada espaço, integrando-o.
A recepção, casa do zelador e oficina interdisciplinar encontram-se no térreo do edifício principal, aberto para o espaço público através de grande porta basculante. Sala de espera, salas de atendimento médico, odontológico, psicológico, jurídico e outros ficam no andar superior. Uma cozinha experimental para treinamento, com local para venda de produtos, está aberta para a rua, gerando renda para o edifício.
Salas de capacitação profissional, biblioteca e sala de informática, além de sanitários e depósito estão no bloco elevado. Vestiários e depósitos que atendem a quadra localizam-se no meio subsolo. Eles também atendem aos banhos coletivos organizados pela associação de moradores. A porção deste volume que aflora do piso serve de palco para festividades.
Nesta primeira visão, a praça suspensa transforma-se em uma continuação da praça principal do térreo, qualificando todo o espaço com o que mais falta nas comunidades carentes: áreas livres e públicas, arborizadas e bem-aproveitadas Lourenço GimenesOs conjuntos também se comunicam pelas disputadas coberturas, caracterizadas por um terraço jardim que abriga brinquedoteca e se transforma em uma grande praça suspensa na qual acontecem atividades dirigidas com áreas pavimentadas, jardins e equipamentos de lazer.
Por causa dos grandes desníveis do terreno e da rua de acesso, ao chegar à comunidade pela rua, avista-se logo a cobertura do edifício. “Nesta primeira visão, a praça suspensa transforma-se em uma continuação da praça principal do térreo, qualificando todo o espaço com o que mais falta nas comunidades carentes: áreas livres e públicas, arborizadas e bem-aproveitadas”, observa Lourenço Gimenes. Após quase 10 anos de construção, muitas alterações no projeto original podem ser verificadas, como a configuração das praças em patamares (degraus) e a instalação de cobertura metálica no terraço jardim.
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